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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Estória da Palmatória

   Teresinha, Teresinha, que descaramento o teu. Sempre com a mesma lenga-lenga! Já não há quem te defenda, quem te possa perdoar. Um dia pego-te por essas tranças, deixo-me de ameaças, e puxo mesmo à exaustão! Planeio as minhas vinganças, dou-te uma valente lição! Só para saberes o quanto dói, só para saberes o quanto... Foi feitiço pela certa, que lançaste a toda a gente; ninguém se zanga contigo, comigo depressa s'ofende.
   E na hora do recreio, não adianta que venhas. Nem tu, nem tuas sardas. Manha de apanhar babões, engenho próprio dos burlões, arte de atazanar. Azar, é o que eu tenho contigo! Não vou ser mais teu amigo, que não estou para estas canseiras.
   Não sou mais quem te transporta os livros e manuais, e também não sei das contas, nem de menos, nem de mais. Se não sabes tabuada, não ta vou ensinar. Bem, a cantilena é fácil, é só decorar. Vou mudar de carteira, para o fundo desta sala, e dizer a toda a classe, a fedelha que tu és. Vou dar-te c'os pés, que é o que bem mereces. Se a professora soubesse, a má res que lhe saíste, levavas um bolo tão grande que até se partia a régua.  Não há cá trégua!
   Hoje é que é o grande dia. Vou tirar prova dos nove. Já caíste na arapuca e nem Deus t'acode! Fui dizer o que era bem, que não fizeste os deveres. Tu choraste baba e ranho e estendeste a cartilha. Agora não há escapatória, vais parar à palmatória e eu vou achar que é justiça.
   Meu dito, meu feito. Toma lá para aprenderes! E enquanto me gabo, da nobreza do meu acto, levo um grande sopapo por ser um grande queixinhas. Levei recado e tudo, na minha caderneta virgem, à custa de ser um "delator dos colegas". E tu, Maria Piegas? Ainda não paraste de chorar? Agora estamos quites,   pára de m'atormentar!
   Chega cá ao pé de mim, dá-me um grande, grande abraço. Não quero estar longe de ti, não quero perder o teu passo. Vamos juntos para casa, pelo trilho secreto? Levo-t'ardósia e o giz, e os cadernos também, dou-te a mão na viagem, se achares que te convém.
   A única coisa, porém, é que vais ter de esperar. À custa de ser um chibo se inventou novo castigo. Vou ter de ficar aqui especado, à espera que surja no quadro, a pataquada costumeira: "Fui um mau menino, só soube fazer asneira", as cem vezes obrigadas. É para que ganhe o juízo, ou que cresça, ou sei lá...
   O que interessa é que não te perdi,  escrevi na redacção, depois, no fim do ano, quando contei  a estória. Tu e eu não se separa, dei a mão à palmatória. A única coisa que irritou, e não foi pêra doce, foi a minha caderneta. A bela da treta custou-me muitos dias sem bola. Mas o que eu gosto mais é do toque de saída da escola.
   

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