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Num volte-face, quando eu puder, viro menina-mulher.

terça-feira, 15 de março de 2011

Eleonor and I

    Eleonor Rigby,
   há 45 anos que morreste sozinha. Imagino que tenha sido muito desagradável. Mataste-te? Talvez não... Talvez tenhas esperado junto ao guichet. Assim que soasse a campainha e mudassem os dígitos no placard, pimba, corrias a entregar a tua senha entusiasmada! 
    Consigo imaginar-te. A ti e às tuas dores. Por certo tendo, que quando nos sentimos tristes confiamos em todas as outras dores. Confiamos e acolhemos. Fazemos um bolo. Uma espécie de super-dor, com uma cobertura megalómana e um topping salgado absolutamente divinal. E não somos capazes de comer só uma talhada. Tem de ser o bolo todo. Tem de se chorar tudo numa noite. Tem de se morrer tudo agora. Ninguém espera para morrer depois. Ou para matar... E às vezes nem morremos do bolo, mas da quantidade idiota que comemos, porque é bom. 
    Não há ninguém que tenha ido ao teu funeral. Nenhum dos parzinhos que abençoaste à saída da igreja. Nenhum desses recém-casados se lembrou de ti. Nenhuma vez. Tu, que com tanta estima apanhavas os grãozinhos de arroz, um a um, para que não se perdessem as "Felicidades", as "Boa Sorte"s... Lá estava Eleonor, depois da boda, de bunda no ar, apanhando o arroz e colocando num dos seus lindos boiões, com letras bordadas em rótulo de quadrillé. Fazia uns boiões mesmo giros. Dias depois do casamento entregava-os, em mãos, às noivas, alegando que esse tipo de desejos bons não deveriam ser abandonados no chão. Sorria e saía. Lives in a dream!
   A cadeira de baloiço para trás e para a frente, para trás e para a frente, à janela de casa. Todos os dias. Bordando as felicidades ao pano, sorrindo, sonhando. Para quem é esse sorriso? Mais a mais, porque sorris? Será que choravas também, de vez em quando? Ou ficavas sempre assim? Merda. Explica-te. Às vezes penso que ser sozinha, apesar de a multidão ser infernal, deve ser o pior dos males. Às vezes acho que tu e eu somos mal, estamos e ficamos mal. Sempre. Where do they all belong?
    Olha, desgraçada, por tua causa já fiz chover outra vez. Acho indecente. Já te perdoo tudo, na verdade. Sei que sonhavas casar, mas sonhavas só casar? Eu não sonho "só" casar, mas também. Não acontecerá. Igualmente certo não ter um bibelot dos teus em cima da minha cómoda de senhora.  Parece-me mesmo certo, isto. No aparador aonde não vou pentear o meu cabelo de 140 centímetros. No aparador espelhado em que não vou vê-lo  por e tirar o colar que me deu pelos anos. 
    Vou almoçar a casa dos meus pais, que me adoram, aos sábados. As crianças vão encavalitar-se nos velhos. O meu pai vai ser mais feliz. A minha mãe vai ser doce. Eu nunca vou ter inveja de ninguém, nem ciúmes. Eu vou sempre ter alguém que fala ou abraça por perto. Falar ou abraçar é importante. E alguém vai fazer o aviãozinho ao menino, que ele não quer comer. Eu vou ser muito calma e o meu corpo vai funcionar. E só depois é que morro. Sem vontade e naturalmente, como é de ser.  
    Ou então mato-me, e acabo já com esta esperança, já que ela me tem vindo a matar devagarinho. Deixo de ser pedante às pinguinhas. Como o bolo todo e mato-me em condições! A saber bem! À conta! Deixo de me martirizar e de irritar os outros, não necessariamente por essa ordem. Afinal, já vou para aí na quarta ou na quinta fatia... É vício. All the lonely people... Mas tenho medo. Porque é que haveria de ser diferente de ti? Não consigo.
     Vou para a fila. Vou só tirar o papelinho e pronto, fico para aqui encostada, como tu. Pode ser que o bip seja rápido, que estejamos num bom andamento, que o movimento seja célere. Vai ser assim dos pés para as mãos. Vou só sentar-me nesta cadeira enquanto espero. Guardei o número no bolso. Sorrindo e sonhando, de vez em quando. (Mal-me-quer a rodar ao sol (na mão da pequena). Dê lá por onde der, vais tornar a Bem-me-quer. E se me traíres a esperança, fico sempre com a lembrança, da esperança (tua, aquela tão boa) que traí eu a ti.)
    
    
    

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